Os 5 sentidos são sensações físicas que estão tão incorporadas às nossas vidas que mal prestamos atenção na sua funcionalidade e grandeza. Apesar de influenciarem diretamente nossas ações, praticamente ninguém lembra deles quando a pergunta é o que te motiva?!
Esses dias lendo um artigo da psicóloga Angelita C. Scardua sobre felicidade me deparei com o estudo do olfato, além de refletir bastante sobre a interessante conexão entre esse sentido e a motivação, acabei sendo estimulada à embarcar de volta para alguns destinos da viagem onde o “olfato” move muita gente, mesmo sem que as pessoas objetivamente percebam.
Produção de incensos artesanais em Hué – Vietnã
Vale lembrar que olfato e paladar, apesar de aparentemente separados, estão intimamente ligados. O olfato é o responsável pra que a gente diferencie os mais diversos sabores, uma vez que o paladar somente distingue entre 6 ou 7. Somos capazes de perceber mais de 10 mil tipos de aromas e é isso que faz “sentirmos” os inúmeros sabores. Sendo assim é o olfato que trabalha à favor do nosso paladar e não o contrário.
Medina de Marrakesh – Marrocos
Não é de hoje que perfumes, incensos e os mais diversos aromas vem sendo elaborados e desenvolvidos mundo afora. Faz muito tempo que descobriram que eles são sim diretamente responsáveis pelo nosso prazer e felicidade. Durante a viagem vivenciamos alguns momentos e lugares onde esse “sentido” se faz bastante presente, movimentando o comércio, girando a economia, motivando hábitos e a cultura local.
Nesse quisito o Marrocos talvez seja, dos lugares que conhecemos, o mais impactante quando o assunto é ser movido pelo olfato. Chegar no Marrocos é como ingressar nos contos das Mil e Uma Noites. Somos transportados para uma era passada deslocada aprazivelmente para os dias de hoje. As feiras dentro das medinas (partes históricas e muradas) são exatamente o que vemos nos filmes e de fato realçam todos os produtos típicos e peculiares de uma terra com muitos e muitos anos de história.
Nosso olfato começou a trabalhar mais do que nunca e nos guiou através de um fantástico mundo de especiarias, essências naturais, ervas aromáticas, loções mirabolantes, pomadas naturais, sabonetes, incensos, doces, frutas… e tudo mais que se possa querer de um mercado lendário com produtos que atravessaram séculos e mais séculos da mesma maneira que se encontravam no passado longínquo. Fomos convencidos a comprar algo que hoje se tornou um tesourinho da viagem: uma fatia minúscula de uma glicerina perfumada que serve como sachê e dizem que o perfume dura o resto da vida. O Danilo colocou esse ínfimo pedaço dentro da mochila e quase um ano depois o perfume se matém IGUAL. Pra ele uma motivação tremenda ter suas roupas sempre perfumadas não importando os percalços da viagem!! Meu companheiro quer mais… achou impressionante o efeito.
Em Florença na Itália, encontramos numa das vielas da cidade antiga uma portinha “silenciosa”, sóbria, com apenas uma plaquinha dizendo “perfumista”. Que delícia foi saber que o ofício milenar ainda está vivo artesanalmente nas mãos de alguns alquimistas. Descobrimos alguns especialistas no assunto capazes de criar fragrâncias exclusivas com base na personalidade do cliente. Pois é, após uma longa entrevista com cada interessado o perfumista elabora um aroma exclusivo que vai marcar aquela pessoa através de uma fragrância. Explicam os especialistas que os aromas estão ligados diretamente à personalidade e história de cada um.
Falando em perfume, ele nasceu no Egito por volta de 2000 a.c. e pra ver como tinha uma grande importância desde seus primórdios, curiosamente a primeira greve que se tem notícia na história da humanidade aconteceu por volta de 1330 a.c. quando soldados do faraó Seti I pararam de entregar os unguentos aromáticos que eram usados na preparação das essências. Mais para frente os árabes foram grandes resposáveis pelo desenvolvimento dessa arte e de seu comércio, tanto que foi através de suas mãos que as essências ganharam a Europa, entrando via sul da Espanha durante a conquista moura. Daí pra frente foram ganhando espaço até encontrarem na França sua maior morada.
O contrário também pode ser verdadeiro pois um odor ruim pode causar ogeriza e repúdio tamanhos que desmotivem. Nunca vamos esquecer os fortíssimos odores do esgoto à céu aberto de Jakarta e o quanto isso alterou nossa forma de “sentir” e desfrutar a cidade. Literalmente fomos expulsos da capital da Indonésia pela repúdia que sentimos ao circular por lá. Até alguns segundos atrás o texto deve ter transportando você leitor para aromas deliciosos, mas só em citar um odor ruim o clima já mudou, pra ver como a percepção olfativa é algo realmente incrível! Bom, pra não estragar a “fragrância” da matéria vamos voltar para o lado bom da prosa…
Frascos antigos de perfume no Museu de Londres
Outra coisa que gostaria de comentar é a relação direta que percebemos entre algumas cerimônias e materiais aromáticos. Na Guatemala, as importantes cerimônias do povo Maia são feitas com a presença de uma resina da árvore Copal, que é super perfumada. Essa resina é recolhida na própria casca das árvores é queimada como incenso provocando um aroma muito típico que marca os diversos locais cerimoniais. Muitos caminhos espirituais envolvem rituais de limpeza e purificação onde plantas e ervas são vastamente utilizadas ajudando tanto na limpeza física quanto espiritual.
Uma das mais importantes oferendas à Buda é o incenso, presente em todos os locais da prática budista. Tivemos muito contato com o budismo na Tailândia, Laos, Camboja e Vietnã, países onde os ritos são maravilhosos. Muitos dizem que o incenso é oferecido pelo aroma suave que agrada a divindade, mas a simbologia é bem mais abrangente: uma vez aceso o incenso se esvai até acabar espalhado seu perfume duave por todas as direções. Assim deve ser a nossa vida, pautada sempre em boas ações até que termine, assim poderemos “perfumar” também o nosso redor.
Dos rituais de purificação ao despertar de nosso paladar, passando pelo prazer dos melhores perfumes, o olfato é algo intrínseco em nossa vida. Não é a toa “O Perfume” (Patrick Suskind) foi considerado “o livro” na década de 80, tratando esse “sentido” de um modo impressionante! O olfato nos move, nos inspira, nos atrai aos semelhantes pelo feromônio, dá sabor aos alimentos e cautela diante do que não está fresco, enfim… temos a sorte de contar com essa fonte natural de motivação. O que temos à fazer é agradecer imensamente por mais essa incrível ferramenta que nos foi presenteada pela natureza e não deixar o aroma da vida passar sem ser notado!
Incensos em espiral para ritos de prosperidade
Por Luah Galvão
Komentar