Essa história é uma das mais incríveis que presenciamos em todos esses anos de Walk and Talk. Costuma estar sempre presente em nossas palestras e sabemos lá porque, nunca tínhamos contado por aqui. É longa, mais vale ler… prometemos!
E tudo começou durante a Volta ao Mundo em nossa passagem pela Guatemala. Pra sermos mais específicos, em Río Dulce, uma pequena cidade à beira do rio que leva o mesmo nome e deságua no mar do Caribe. Ao chegar, “bora” fazer o habitual reconhecimento de território e mapear onde poderíamos nos hospedar. Decidimos por uma pitoresca pousada bem na beira do rio, chamada Pousada Tortugal. Queríamos parar alguns dias para escrever e descansar um pouco. Lá nos pareceu excelente para o nosso propósito. Pegamos um barquinho e ancoramos em sua rústica marina. Essa é uma característica de muitas acomodações da região, bastante conhecida por receber velejadores de todo o mundo que aguardam por lá a temporada de furacões no Caribe passar. As embarcações ficam guardadas nas marinas, protegidas nas águas doces e calmas do rio.
Assim que chegamos fomos acolhidos com um delicioso sorriso de boas vindas de Esther, uma australiana que trabalhava há 3 meses na pousada. Naquela tarde começamos uma bela conversa que se transformaria em uma gostosa amizade. E como Esther havia parado naquela vila tão pequena no meio da Guatemala? Nos contou que estava viajando com um grupo de turistas explorando o México e a Guatemala, e Río Dulce era parada obrigatória do grupo. Assim que chegou na pousada sentiu uma conexão que nunca havia sentido. É como se ali fosse seu lugar. O sentimento foi tão forte que decidiu ouvir sua intuição.
No dia seguinte, sem saber muito como explicar, comunicou ao grupo que não seguiria viagem. Ninguém entendeu nada, insistiram que aquilo era loucura, mas ela bateu o pé. Esther rapidamente passou de hóspede para colaboradora, montando as estratégias de promoção e divulgação da Tortugal. Isso porque na Austrália ela era “só” produtora cultural do Opera House em Sydney. Trocou acomodação, comida e uma ajuda de custo pelo seu trabalho. E assim estava feliz! Muito feliz! Bolava altos encontros de turistas e velejadores para promover o espaço.
Nossa relação com a Esther foi tão bacana que dias depois demos ideia de organizar uma noite brasileira com direito a um workshop de caipirinha, uma apresentação de slides com fotos das belezas naturais do Brasil e muita MPB. Ela topou na hora! No dia do evento, tudo comprado e organizado. Hóspedes da pousada e convidados começaram a chegar. Só quem não chegou foi Esther!! Ninguém sabia dela. Loucura total… nos viramos nos 30 para levar a festividade à cabo sem a produtora master do lugar. Mas como o Santo dos Viajantes sempre dá uma forcinha, a noite transcorreu super divertida e animada. (Contamos melhor sobre a noite das caipirinhas em um outro post, se você quiser ler depois vale a pena.).
E quando a festa já estava para acabar, quem aparece?! Esther. Lá vinha ela com o rosto todo coradinho e acompanhada por Gunnar, um alemão figuraça que tínhamos conhecido dias antes na marina. Na ocasião, ele estava fazendo uma bela escada de madeira para um dos barcos.
Gunnar tinha a mesma tez da nossa amiga australiana. “Pele boa, hein Esther!!” – comentamos assim que eles chegaram. “Aceitam uma caipirinha?!”
O alemão, além da tez rosada, vinha vestido de modo peculiar: bermuda de veludo marrom bufante, colete igualmente de veludo, regata e um vistoso chapéu com um penacho. “E aí Gunnar, tá achando que a noite é de carnaval?! Era só uma noite de caipirinhas, não era pra vir fantasiado!” – brincamos.
Foi quando ele respondeu com a maior naturalidade do mundo: “Não é fantasia, sou um Journeyman!” e nós emendamos “Também somos: Journeyman e Journeywoman!” rimos. E ele insistiu: “Sério, sou um Journeyman e essa é a roupa que usamos normalmente!”. Interessados naquele “figurino”, no mínimo diferente, respondemos: “Ok, então nos explica melhor!”.
Bom gente, Gunnar nos contou que Journeyman é o nome dado a um seleto grupo de artesãos que almejam se tornar mestres em alguns ofícios. O grupo, fundado na Europa, surgiu com intuito de conservar as técnicas de alguns ofícios antigos para que sejam perpetuados da mesma maneira e com os mesmos requintes com que eram praticados desde os tempos medievais. São áreas como marcenaria, carpintaria, serralharia, marchetaria, entre outras.
Para fazer parte do clã dos Journeyman, o candidato tem que ter uma estrita afinidade com algum dos ofícios da lista e para se transformar em um membro do seleto grupo, uma grande jornada heróica tem que ser trilhada. É preciso que o aprendiz tenha disposição para passar pelo menos 3 anos pelo mundo sem voltar para casa.
Ele/ela não pode partir com nenhum centavo no bolso, deve levar consigo apenas uma caixa com suas ferramentas, muita disposição, vontade e coragem, pois tudo que necessitar ao longo da viagem, terá que ser trocado única e exclusivamente pelo seu ofício. Tudo, tudo mesmo: alimentação, hospedagem, transporte e o que mais precisar!
Durante os dois primeiros meses, um mestre os inicia na jornada, ensinando como trocar trabalho pelo que for necessário. Após esse período, o jovem segue sozinho. Detalhe: é permitido receber dinheiro pelos trabalhos, mas ele deve ser gasto durante a própria viagem, sem visar acúmulo.
E o aprendiz se torna mestre apenas quando retorna para casa com a missão cumprida, sendo condecorado pela maestria no ofício que escolheu.
Para que um Journeyman seja reconhecido por onde passa, uma veste típica foi criada. Não importa se para os dias frios do continente europeu ou super quentes da Guatemala, o traje tem sempre um ar medieval.
Gunnar, cujo ofício é a marcenaria, havia atravessado o oceano dentro de uma embarcação, trocando o transporte pela manufatura de uma belíssima escada de madeira. E assim estava vivendo nos últimos tempos: trocando tudo o que precisava pelo seu excepcional trabalho com a madeira.
Os queixos caíram, nunca tínhamos escutado nada parecido. Demais saber que no mundo existe um grupo zelando pela qualidade e manutenção de técnicas antigas! Artesãos, que em sua jornada heróica, provam que ao desenvolver um talento às máximas, é possível trazer para perto de si, não só o “mundo”, como aquilo que é essencial para viver. Sensacional, é a pura crença na potência individual diante da troca genuína com o coletivo!
Na época perguntamos se eles tinham algo online pra que nós pudéssemos saber mais. O alemão nos olhou sorrindo e respondeu “Serve um papiro?!”. É, sentimos que o clã era um pouco avesso aos meios eletrônicos. Agora, anos depois, escrevendo a matéria, encontramos algumas infos na web… ufa!
Voltando ao casal, logo após a noite das caipirinhas, Esther nos confessou que estava perdida de amor por Gunnar. “Gente, encontrei o homem da minha vida!!” – ela estava radiante. Nos dias que se seguiram, tivemos outros encontros gostosos com os dois, até que chegou a hora de seguir viagem. Trocamos contatos com Esther, e Gunnar nos deu apenas um email – não tinha Facebook, nem telefone… rsrsrs.
Partimos. Dias depois Esther nos escreve dizendo que não sabia o que fazer pois o Gunnar partiria em mais alguns dias, e ela seguia super “in love”. Nosso conselho: “Siga o coração!”. E assim ela o fez! Um tempo depois chega um novo email: “Luah, Dan eu virei uma Journeywoman! Resolvi seguir viagem com o Gunnar! Também estou trocando trabalho pelo que a gente precisa pra viver. Vamos até a Tasmânia, escrevemos pra vocês do caminho.”
De país em país os dois foram seguindo sua jornada de amor e muitas trocas. Um dia recebemos um email especial: “Queridos, estamos esperando um Journeybaby!”. Aquilo foi demais, o casal que tinha se conhecido na Guatemala meses antes, depois rodado meio mundo, agora estava à espera de um bebê!
Assim são as respostas mágicas da vida quando nela confiamos! Esther respeitou sua intuição quando decidiu parar em em Río Dulce, e lá foi presenteada com seu companheiro de caminhada. Gunnar, enfrentando todos os desafios da sua jornada heróica, também estava recebendo, meritocraticamente, não só se tornar um mestre em sua arte, como levar em sua mochila da vida, uma companheira maravilhosa e 2 filhos lindos. É gente, recentemente a família cresceu. Joshua e Marlon vão para cima e para baixo acompanhando os pais em suas aventuras de viver. O casal acabou de comprar um yacht para logo mais sair pelo mundo com os filhos.
Agradecemos ao casal por cruzar nossas vidas e por sermos inspirados por uma história tão especial, recheada de tantos elementos importantes. Intuição, coragem, paixão, crença nos talentos, na potência individual, etc… Para nós, é o AMOR que abraça todos esses elementos. Amor por si, pelo outro, pelo ofício, pela jornada da vida. Sem esse éter, essa história não teria a mesma alma.
Por Luah Galvão
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